Finalizei o projeto da barragem de terra, e agora?

por Márcio Leão em 05/Nov/2021
Finalizei o projeto da barragem de terra, e agora?

Durante a construção e após a sua conclusão, uma barragem de aterro está submetida ao conjunto de solicitações que variam no tempo. Torna-se então indispensável conhecer quais as solicitações atuantes no próprio maciço e fundação. Há ainda que conhecer a resistência disponível exibida quer pelo maciço, quer pela fundação.

No caso geral, a verificação da estabilidade de um maciço terroso exige análises das condições referentes ao maciço e à fundação. Nesse caso, podemos mencionar duas situações limites:

  1. A estabilidade da obra é governada pelas condições de fundação; e
  2. Apenas é necessário o estudo da estabilidade do maciço.
No primeiro caso, exemplificado por terrenos moles, a ruptura ocorre pela fundação. Já no segundo caso, a resistência oferecida pela fundação é bastante maior que a disponível no maciço, portanto a ruptura não ocorrerá pela fundação.

Não podemos esquecer dos casos em que a ruptura se dará de maneira global, ou seja, englobando tanto o maciço quanto a fundação, sendo a contribuição à resistência global dada pelas parcelas resistentes disponíveis.

No primeiro caso, além dos problemas inerentes aos recalques excessivos temos que considerar o comportamento resistente do solo de fundação. Neste caso, é fundamental avaliar a espessura da camada mole. Se a camada é de baixa espessura, a ruptura ocorre pelo fenômeno “squeezing”, evidenciando-se um aumento da resistência disponível. No caso de camadas moles espessas precisamos verificar a estabilidade perante uma ruptura geral da fundação. Se a estabilidade não estiver assegurada e se a remoção dessa espessura torna-se antieconômica a retirada desse material, precisamos recorrer a determinados processos que garantam a estabilidade do conjunto.

Uma barragem de aterro ficará sujeita, durante a construção e em períodos de operação do reservatório, a situações típicas que necessitarão da averiguação do coeficiente de segurança à ruptura por cisalhamento. Em linhas gerais, as situações críticas a considerar no cálculo serão as seguintes:

1° - Fase de construção

Durante a construção da barragem de aterro, à medida que as camadas vão sendo colocadas e compactadas, a tensão total a um dado nível vai aumentando, desenvolvendo-se paralelamente tensões neutras, devido à compressibilidade do aterro e ao seu baixo coeficiente de permeabilidade. Assim, as solicitações instabilizadoras provém, para uma dada inclinação do paramento, do peso das massas do aterro e das consequentes tensões neutras induzidas. Estas, são uma função do teor de umidade de colocação do material do aterro. Neste caso temos de verificar a segurança dos maciços de montante e jusante. O vídeo abaixo desenvolve a avaliação de estabilidade referente à 1° Fase.

2° - Fase de equilíbrio para o reservatório cheio

À medida que o reservatório vai enchendo são estabelecidas linhas que representam a percolação, constituindo-se progressivamente uma rede de fluxo. Como a água percola de montante para jusante, a pressão de percolação aumenta a estabilidade do talude de montante para jusante. Atingido o equilíbrio e estabelecida a rede de fluxo final, tem-se a situação crítica para o talude de jusante.

A rede de fluxo relativa a uma barragem homogênea com dreno de pé a jusante sob uma fundação impermeável possui suas linhas de fluxo direcionadas ao dreno. No caso de uma barragem zonada, com núcleo impermeável, podemos supor que o maciço de jusante não tem efeito na linha de saturação (desde que o coeficiente de permeabilidade do maciço de jusante seja, pelo menos 10 vezes maior que a do núcleo).

Podemos teoricamente, admitir uma situação ainda mais desfavorável para o maciço de jusante, que consistiria em considerar uma percolação de água partindo da crista e a parte superior do talude de jusante. Esta situação poderia ocorrer durante um período de chuvas fortes de longa duração. O vídeo abaixo desenvolve a avaliação de estabilidade referente à 2° Fase.

3° - Fase resultante de um esvaziamento rápido do reservatório

Caso ocorra o esvaziamento rápido do nível do reservatório temos uma situação crítica para o maciço de montante. Convém frisar que a descida do nível de água no reservatório não é instantânea, mas devido ao baixo coeficiente de permeabilidade, a drenagem que se der no maciço durante o período de esvaziamento pode ser insignificante. No entanto, o problema da relação entre a velocidade de descida do nível do reservatório e a drenabilidade do maciço não está ainda completamente esclarecida. No instante do esvaziamento, o paramento de montante deixa de ser uma equipotencial passando a superfície livre. O vídeo abaixo desenvolve a avaliação de estabilidade referente à 3° Fase.

A posição da linha freática após esvaziamento lento (duração compatível com parcial dissipação de tensões neutras), dependerá da velocidade de esvaziamento e do coeficiente de permeabilidade dos terrenos constituintes do maciço.

Como podemos verificar, a situação mais desfavorável relaciona-se com um esvaziamento “instantâneo”. As condições presentes neste caso podem ser melhoradas pela colocação, por exemplo, de sistemas de drenagem no maciço de montante.

Márcio Leão

É Pós-Doutor em Geotecnia pela UFV, Doutor em Geologia de Engenharia pela UFRJ, Doutorando em Geotecnia pela UERJ, Mestre em Geotecnia pela UERJ, Mestre em Geologia de Engenharia pela UFRJ, possui MBA em Gestão de Projetos pela USP e Bacharel em Geologia pela UFRJ. Geólogo com 13 anos de experiência em planejamento de obras de arte de engenharia civil, nacionais e internacionais. É Docente de Graduação e Pós-graduação. É Pesquisador e Consultor nas áreas de Geologia de Engenharia e Geotecnia, com ênfase em mecânica das rochas, mecânica dos solos, barragens, túneis, taludes e meio ambiente, investigações de campo e ensaios de laboratório e in situ, bem com instrumentação geotécnica. É Membro de Comissões Técnicas, de Corpo Editorial e Revisor Ad hoc de Periódicos nacionais e internacionais.

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