Ouro: da tragédia à solução

por Instituto Minere em 25/Apr/2023
Ouro: da tragédia à solução

A invasão das terras dos Yanomamis por garimpeiros, recentemente alardeada pelo cenário de sofrimento, morte e degradação ambiental, desnuda parte da realidade brasileira, relacionada a um enorme contingente de pessoas que, na busca nem sempre apenas do próprio sustento, mas também da cobiça pelo enriquecimento, adentra regiões protegidas para extrair um dos bens minerais mais desejados do mundo e suprir uma cadeia que alimenta a indústria joalheira, de alta tecnologia e as reservas mundiais que utilizam o ouro como lastro monetário.

Nos últimos tempos a sociedade moderna passou a se preocupar com a origem do ouro utilizado em alguns produtos, se oriundos de áreas de conflito, de terras indígenas, de áreas intocadas da Amazônia ou de áreas com trabalho escravo e infantil. Esse despertar levou os grandes players do mercado financeiro, joalheiro e de alta tecnologia a buscarem fontes sócio e ambientalmente responsáveis.

No Brasil, a extração ilegal do ouro não é um fato novo e nos persegue há décadas, com episódios históricos famosos, como o caso de Serra Pelada e seu 'formigueiro humano' na década de 1980. O governo à época, na tentativa de controle do comércio de ouro, estipulou que a compra deveria ser realizada apenas pela Caixa Econômica Federal. Nos anos subsequentes essa sistemática se mostrou ineficiente, principalmente na região de Itaituba/PA, quando o mercado paralelo do ouro se expandiu.

O ouro, de forma sintética, pode ser produzido por garimpos legalizados, mineradoras ou mesmo pela extração ilegal. O que vem do garimpo, representa cerca de 35% do ouro produzido no país. É adquirido inicialmente pelas DTVMs, instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central, por meio de Postos de Compra de Ouro-PCOs presentes nas principais regiões garimpeiras do país. A partir deste ponto o ouro pode ser refinado e exportado via traders ou comercializado internamente para a indústria joalheira.

Por sua vez, o ouro produzido por mineradoras representa cerca de 65% do ouro produzido, não precisa ser adquirido por DTVMS, sendo o mesmo refinado ou não no Brasil, posteriormente exportado ou consumido internamente.

A inserção marginal do ouro na economia nacional ou mesmo global, não é um fato isolado. Outros produtos como a madeira, a bebida, o cigarro e até mesmo medicamentos, também se incluem naquele contexto, sendo que a diferença está na qualidade que o ouro possui como ativo financeiro. Na tentativa de se melhorar a regulação da atividade econômica com ouro e dificultar as atividades ilícitas, principalmente relacionadas ao garimpo, em 2013 foi publicada a Lei 12.844. No entanto, essa legislação não tem conseguido evitar a contento a indústria do mercado e comércio do ouro ilegal. E, para enfrentar essa situação, uma das providências recentes que se tem buscado adotar e implementar é a que trata da rastreabilidade do ouro. Esta medida consiste no monitoramento ao longo da cadeia, por meio de um sistema que permita o registro eletrônico de todas as etapas em uma rede segura e imutável, desde a extração até o destinatário final.

Tendo-se como exemplo o papel moeda, este possui marcas que garantem confiabilidade e valor à cédula e consequentemente segurança para o cidadão e o Estado. Em uma simples analogia, selos ou marcas, com alta tecnologia embutida, poderiam dar também a confiabilidade para o ouro comercializado, como já vem sendo feito em países como a Indonésia e a Suíça. Com a contribuição do ambiente digital e suas mais variadas ferramentas e tecnologias, será possível realizar e acompanhar com eficiência o registro de todas as transações da cadeia do ouro, incluindo os players que produzem, compram, vendem e refinam, e com isso segregando ou ao menos criando barreiras ao ouro com origem em atividade ilícita.

Com um sistema eficiente de rastreabilidade os órgãos de controle teriam acesso facilitado e automático para visualizar pontos de fragilidade da cadeia e realizar uma fiscalização mais pontual e concentrada. Recentemente foram anunciadas algumas iniciativas governamentais como a introdução do uso da Nota Fiscal eletrônica, divulgada pela Receita Federal, e a exigência de uma política a ser implementada pelos produtores de ouro, conforme determina a Resolução ANM 129/2023, com base nos arts 10 e 11 da Lei 9613/98, que trata do combate à lavagem de pedras e metais preciosos. No entanto, o uso da NF eletrônica na aquisição de ouro dos garimpos por parte das DTVMs, em que pese ser um avanço, é apenas um meio para facilitar a fiscalização e o controle no seu comércio, não sendo suficiente para impedir a introdução do ouro de origem ilícita na economia. Aliado a isso, a supracitada resolução da ANM, apesar de significar um avanço ao exigir o registro das transações e a indicação de transações suspeitas, foi muito tímida, pois poderia ir além e inaugurar um sistema ou exigir o uso da rastreabilidade.

As exigências internacionais de consumidores e da sociedade civil por uma mineração responsável requer uma nova atitude de todos que atuam na cadeia do ouro, desde a extração até o refino e comercialização.

Nesse cenário, o momento atual é muito oportuno para que os formuladores de políticas públicas se empenhem em apresentar respostas necessárias e urgentes que a sociedade espera, como é o caso da rastreabilidade. Aliás, é bom lembrar que o país dispõe de uma das mais conceituadas instituições públicas, a centenária Casa da Moeda, e que, por sua reconhecida competência, qualidade, modernidade e alta credibilidade, inclusive mundial, pode passar a integrar os esforços para se mudar a realidade da exploração de ouro ilegal no país. A conscientização da população sobre a origem do ouro que está sendo adquirido ao comprar uma joia ou mesmo quando se está investindo em barras de ouro é um importante passo a se conquistar. E é com um processo de rastreabilidade consistente e robusto como é possível se ter hoje que se disporá de ferramenta confiável e tranquilizadora para todas as partes envolvidas.

 

 

Fonte: Estadão
Autores: Frederico Bedran e Alexandre Vidigal de Oliveira

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