O caos federativo e a tributação de recursos minerais no Brasil

por Instituto Minere em 02/Aug/2023
O caos federativo e a tributação de recursos minerais no Brasil

Considerando que no Estado Federal há mais de uma ordem jurídica incidente sobre um mesmo território, a repartição de competências constitucionalmente definidas entre União federal, estados, Distrito Federal e municípios visa economizar recursos e evitar conflitos.

De acordo com a Constituição Federal, os recursos minerais são bens da União e compete, exclusivamente, à União Federal legislar sobre recursos minerais. No entanto, é da competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios “registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios” e instituir taxas.

No exercício de sua competência constitucional, a União editou leis por meio das quais criou e regulamentou a compensação financeira pela exploração mineral (CFEM) incidente sobre o resultado da exploração do bem mineral (patrimônio da União) realizada pelo concessionário.

Após longas discussões no Congresso Nacional, a receita proveniente da arrecadação de CFEM realizada pela União passou a ser dividida com os demais entes federados, sendo 75% da receita partilhada com os municípios e 15% com os estados mineradores. Em 2021, a arrecadação de CFEM foi de, aproximadamente, R$ 10 bilhões de acordo com informações do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM).

Em um país em que as contas públicas são, em regra, deficitárias, a disputa por mais arrecadação não tem fim. Neste contexto, a competência comum prevista na Constituição Federal passou a ser utilizada para legitimar a edição pelos diversos entes federados de taxas milionárias que não guardam qualquer relação com o custo da atividade desempenhada pelo Poder Público, mas sim com intuito nitidamente arrecadatório.

É o que ocorre, por exemplo, com as taxas de fiscalização de recursos minerais (TFRM), instituídas com base na competência comum prevista no inciso XI do artigo 23 da Constituição Federal pelos Estados de Minas Gerais, Pará e Amapá e incidentes sobre a tonelada de minério extraído ou vendido.

Ou seja, trata-se de afronta ao texto constitucional na medida em que, “a taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atividade estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixados em lei. Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência, entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro) configurar-se-á, então, quanto a esta modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV da Constituição da República”.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão proferida nos autos da ADI 4.785, ADI 4.786 e ADI 4.787, declarou a constitucionalidade das leis dos Estados de Minas Gerais, Pará e Amapá, respectivamente, que haviam instituído a TFRM em seus territórios. A partir de então, o efeito confiscatório das referidas taxas vem se tornando cada vez mais evidente. Diversos estados e municípios mineradores passaram a criar as suas próprias TFRMs, fazendo com que as taxas de fiscalização de recursos minerais se multipliquem como Gremlims no território nacional.

Assim, além de CFEM e dos diversos tributos devidos pelas empresas brasileiras aos cofres públicos, os Gremlims transvestidos de taxas de fiscalização de recursos minerais passaram a ser exigidos por estados e municípios, onerando de forma indevida e desproporcional a atividade mineral no país.

Os valores exorbitantes das referidas taxas já criadas por alguns municípios constam de estudos sobre o seu impacto econômico apresentado nos autos da ADI 7.400 proposta pela Confederação Nacional das Indústrias, ainda pendente de julgamento, por meio da qual se pleiteia a declaração de inconstitucionalidade da Lei 11.991 de dezembro de 2022 editada pelo estado de Mato Grosso que instituiu a sua TFRM.

Como se verifica pela tabela abaixo reproduzida, a receita oriunda do recolhimento da TFRM nos municípios considerados equivale a, aproximadamente, 142% do total da receita das municipalidades; sendo que em casos extremos chaga a até mais 1.300% do seu total de receita municipal! O céu é o limite!

Além da relevância dos valores a serem arrecadados com TFRMs, de acordo com oreferido estudo econômico, é nitidamente desproporcional a estimativa de valor arrecadado com as taxas frente ao custo do poder de polícia supostamente exercido pelos municípios. Nesse sentido, reproduz-se abaixo outra tabela apresentada nos autos da ADI7.400.

 

Justamente para que as competências comuns dos entes federados elencadas no artigo23 da Constituição Federal não afetassem “o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estarem âmbito nacional ”, o constituinte originário fez constar do parágrafo único do referido artigo a necessidade de edição de Lei Complementar para fixar normas para a cooperação entre a União e os estados, o Distrito Federal e os municípios.

Em respeito ao pacto federativo, há que existir a cooperação entre os entes federados em especial para exercício da competência comum constitucionalmente estabelecida. Nesse sentido a decisão do plenário do STF que por unanimidade reconheceu que “concorrendo projetos da União federal e do Estado-membro (…) o conflito de atribuições será suscetível de resolução, caso inviável a colaboração entre tais pessoas políticas, pela aplicação do critério de preponderância do interesse, valendo referir que, ordinariamente, os interesses da União revestem-se de maior abrangência”.

Por tal razão, até que seja editada Lei Complementar regulando como se dará a cooperação entre os entes federados no que se refere à competência comum de que trata o inciso XI do artigo 23 da Constituição Federal, não devem os estados e municípios editar regras próprias sobre o tema, sob pena de agravar-se ainda mais a situação e a instabilidade jurídica criada acerca do tema.

Não se pode olvidar que o mesmo dispositivo constitucional, que deu abrigo à criação da TFRM em estados e municípios de tradição mineral, poderá também incentivar a questionável cobrança por parte de estados e municípios onde há exploração de petróleo, gás e energia no país.

Ou seja, trata-se aqui de tema sensível, que merece a devida atenção, não só no plano legislativo, como também pelo Poder Judiciário, no enfrentamento da questão.

 

Autora: RENATA RIBEIRO KINGSTON – LLM em Direito Empresarial pelo IBMEC, LLM pela Northwestern Pritzker School ofLaw e certificada em administração de negócios pelo I.E. Sócia do escritório Mello Torres Advogados Associados

Fonte: Jota

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