Direitos dos Proprietários Superficiários decorrentes da atividade da Mineração

por Thiago Pessoa em 01/Jul/2020
Direitos dos Proprietários Superficiários decorrentes da atividade da Mineração

A Mineração, nas palavras do mestre José Mendo Mizael de Souza[1], é uma atividade “Simples na aparência, complexa na essência”, envolvendo uma série de providências e obrigações legais desde a descoberta de uma jazida mineral e sua definição até a lavra e o beneficiamento. Dentro deste contexto, interessante a análise da legislação pátria no tocante aos direitos dos proprietários superficiários decorrentes da atividade da mineração, uma vez que tais proprietários são personagens importantes no cenário da atividade mineral.

Em primeiro lugar, importante destacar que a Constituição da República de 1988 estabelece a dicotomia da propriedade do solo e subsolo, de forma que as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais constituem propriedade distinta do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, a qual pode conceder ao particular, através de observância dos ditames legais, o direito de pesquisa e explotação, garantido ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

A pesquisa mineral é definida por Lei como a execução de trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exequibilidade do seu aproveitamento econômico, sendo que sua autorização será outorgada pela atual Agência Nacional de Mineração – ANM, sucessora legal do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), desde que atendidos os requisitos legais e na forma da Lei.

Quando o titular de autorização de pesquisa necessitar de realizar obras e serviços auxiliares necessários, em terrenos de domínio público ou particular, abrangidos pela área de pesquisa autorizada, deverá pagar aos proprietários ou posseiros uma renda pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa, sendo que, no caso de terrenos públicos, é dispensado o pagamento da renda.

Para tanto, algumas regras devem ser observadas: a renda não poderá exceder ao montante do rendimento líquido máximo da propriedade na extensão da área a ser realmente ocupada; a indenização pelos danos causados não poderá exceder o valor venal da propriedade na extensão da área efetivamente ocupada pelos trabalhos de pesquisa, salvo quando os danos forem de molde a inutilizar para fins agrícolas e pastoris toda a propriedade que estiver encravada a área necessária aos trabalhos de pesquisa, hipótese na qual a indenização correspondente a tais danos poderá atingir o valor venal máximo de toda a propriedade, se destacando que referido valor venal será apurado por comparação com valores venais de propriedades da mesma espécie, na mesma região.

O titular do alvará de pesquisa deverá até a data da transcrição do título de autorização, juntar ao processo administrativo perante a ANM prova do acordo com os proprietários e/ou posseiros do solo acerca da renda e indenização acima apontadas. A prática demonstra que as Empresas Mineradoras praticamente negociam com os proprietários a compra do terreno, de forma a evitar maiores discussões, ou, no mínimo, procuram entabular acordo dentro do prazo concedido.

Entretanto, nem sempre o acordo se demonstra possível, hipótese na qual será necessária a ação de avaliação de renda pela ocupação e danos e prejuízos para pesquisa mineral, que possui procedimento próprio regulamentado em Lei.

Assim, já na fase de pesquisa os proprietários superficiários terão direito de receber uma renda pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa.

Já na fase de explotação, quando efetivamente ocorre o aproveitamento, a legislação pátria, desde a Constituição da República de 1967, prevê o direito do proprietário do solo de participação nos resultados da lavra.

A Constituição da República de 1988 ratificou tal direito no parágrafo segundo do artigo 176, deixando, porém, para lei ordinária a regulação da forma e valor do pagamento, o que é disposto em nosso vigente Código de Mineração.

Análise mais próxima quanto a natureza jurídica do citado instituto leva à conclusão que tal participação é um direito pessoal inerente à titularidade do direito de propriedade do solo que abriga a lavra. Aqui se abre um parêntese para destacar crítica da doutrina sobre o tema, a qual ressalta que tal direito é atribuído ao proprietário do solo apenas porque seu imóvel é hospedeiro da jazida, o que, ao entender da doutrina, não tem motivação lógica fática e jurídica, de forma que seria injusta tal participação, sendo resquício de um sistema de acessão não mais vigente.

Diante da natureza jurídica atribuída, com razão estabelece o Código de Mineração que a participação nos resultados da lavra não poderá ser objeto de transferência ou caução separadamente do imóvel a que corresponde, mas o proprietário do solo poderá transferir ou caucionar o direito ao recebimento de determinadas prestações futuras e renunciar ao direito, devendo tais atos ser inscritos no Registro de Imóveis competente para validade contra terceiros.

Ademais, relevante destacar que a natureza jurídica da participação nos resultados da lavra demonstra que esta constitui uma renda periódica, cujo direito ao recebimento nasce a cada período, de forma que o prazo prescricional passa a correr em relação a cada uma delas a partir do respectivo vencimento, sendo prazo de três anos, conforme previsto no Código Civil pátrio.

Por fim, estabelece o Código de Mineração vigente que a participação do proprietário do solo nos resultados da lavra será de cinquenta por cento do valor devido aos Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da administração direta da União, a título de CFEM- Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais.

Ademais, além dos valores acima expostos, o proprietário do solo hospedeiro da jazida fará jus ao recebimento de indenização pelos prejuízos causados pelos trabalhos de lavra e recebimento de renda mensal pela ocupação da área, tendo em vista a necessidade de se constituir a servidão de mina no imóvel onde será realizada a lavra. Tais valores deverão ser objeto de acordo entre o proprietário superficiário e a empresa de mineração. Na ausência de acordo, o Código de Mineração, em seu artigo 59 e seguintes, prevê a medida judicial cabível para imissão coercitiva na posse do imóvel via ato emanado pelo Poder Judiciário, sendo que tal procedimento legal seguirá, no que for aplicável, os mesmos ditames legais previstos para ação de avaliação de renda pela ocupação e danos e prejuízos para pesquisa mineral.

Com tais considerações, podemos, após panorama geral dos direitos dos superficiários decorrentes da atividade da mineração, entender a importância do tema, bem como vislumbrar os desafios decorrentes do mesmo e a necessidade de melhor entendimento da legislação aplicável.

[1] SOUZA, José Mendo Mizael de. Mineração: Simples na aparência, complexa na essência. In Direito Minerário em Evolução. Coordenador: Marcelo Mendo Gomes de Souza. Belo Horizonte: Mandamentos, 2009. P. 46.

Thiago Pessoa

Advogado de Pessoa Advocacia. Professor Coordenador. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Pós-graduado em Direito Público pela ANAMAGES / Unicentro Newton Paiva. Pós-graduado em Regime Jurídico dos Recursos Minerais pela Faculdade de Direito Milton Campos. Membro da Comissão de Direito Minerário da OAB/MG (2017-2019). Membro do Conselho Empresarial de Mineração e Siderurgia da Associação Comercial e Empresarial de Minas – ACMINAS (2011-2018). Coautor da obra ‘Direito Minerário em Evolução’, editora Mandamentos, publicada em 2009. Coautor da obra ‘Estudos em Direito Minerário’, editora Fórum, publicada em 2012.

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