Antes de competência, a ética

Para falar sobre carreiras na mineração e mais especificamente sobre competência profissional, vamos antes dar o pano de fundo.

Acho que, antes de mais nada, é preciso reconhecer que a mineração é uma indústria única. Abaixo estão algumas características que são inerentes da mineração:

• Capital intensivo: sempre se fala em cifras de milhões ou bilhões 
• Alta incerteza, pois envolve ciência da terra 
• Elevado tempo de retorno do investimento: as vezes dezenas de anos 
• Rigidez locacional 

 Esse último é o mais complicado de todos. Imagine a Toyota ou Apple. Elas podem escolher construir suas fábricas onde quiserem. Uma mina só pode ser aberta onde há minério (o óbvio tem que ser dito...kkkk). Isso traz com que as empresas de mineração tenham exposição a diferentes culturas, regimes de governo, tributários, seguranças jurídicas, etc. E talvez justamente por isso sempre houve uma dificuldade para a indústria se regulamentar. Para que houvesse normas e padrões mínimos a serem seguidos.  

Esse fato, aliado à ganância do capitalismo e à profissionais não tão éticos, possibilitou o surgimento de escândalos que prejudicaram bastante os investidores. Não que isso aconteça somente em mineração. Alguém aí pensou em

Um dos casos mais emblemáticos que marcou a história da mineração é caso Bre-X.  

O início da história 

• Local da jazida: Busang, Ilha de Borneo, Indonésia 
• Bre-X, empresa “junior” baseada em Calgary, no Canadá 
• Fundada por David Walsh em 1988 
• Campanhas de pesquisa mineral no Canadá, sem sucesso para Au 
• Contrata John Felderhof, conhecido geólogo Holandês, no início de 1993 
• Adquire Busang por US$ 80 000 em Jul/1993 
• Ações sobem de $0.12 para $1.55 em 1993 
• Início da pesquisa em 1993 (em área de floresta tropical) 

 Subindo em alta velocidade 

• 1995-96: Anúncios consecutivos - maior descoberta de ouro do século - 
• Reservas de 30 milhões de onças de ouro (“plus, plus, plus”) 
• Mais de US$ 13 bilhões em valor 
• Anúncio oficial por parte do governo da Indonésia 
• 1996: Busca de parceiros - 
• Placer Dome oferece US$5bi para parceria, mas é rejeitada 
• Outros potenciais interessados são igualmente rejeitados 

 O céu é o limite 

• 1996-97: Nova modelagem & estimativa pela Kilborn-Indonésia elevam reservas “oficiais” para 70 milhões de onças 
• Bre-X anuncia que reserva total pode chegar a 200 m.o. 
• Assinado acordo com Freeport McMoRan (EUA) 
• Ações da Bre-X explodem para $233 (Mai/96) e $284 (Set/96) 
• “Heróis” da descoberta são John Felderhof - Geólogo Senior (Holandês) e Michael de Guzman - Geólogo Chefe de Pesquisa (Filipino) 

O início do fim  

• Com a entrada da Freeport tem início imediato um programa de “Due Diligence” 
• Trabalhos desde o início de Fev/97, incluindo sondagens paralelas 
• Primeiros resultados já são conhecidos em Março/97, quando a Freeport indica formalmente discrepâncias à Bre-X 
• Bre-X não aceita alegações de discrepâncias, e explica que é especulação  
• Freeport não abre mão das discrepâncias e insiste que há algo errado
• A saída foi contratar uma empresa de consultoria p/ auditoria independente 
• A auditoria técnica realizada pela Strathcona Mineral Services realiza a revisão de sondagens, revisão de logs de testemunho, reanálises de amostras, revisão de modelos de blocos, banco de dados, entre outros 
• Num relatório de apenas 9 páginas, a Strathcona Mineral Services conclui que SEGURAMENTE não há ouro em Busang 
• Identificação do método de falsificação de amostras. Ouro aluvionar teria sido usado para “salgar” as amostras fraudadas 

O meio do fim 

•  Bre-X acusa Freeport de tentar abaixar valor do negócio 
• Freeport comprova aquisição de ouro aluvionar por geólogo senior da Bre-X 
• Bre-X ordena De Guzman a regressar imediatamente para Busang 
• Freeport anuncia o fim do programa de Due Diligence em 19/3/97 
• M. De Guzman “cai” do helicóptero a caminho de Busang em 19/03/97 as 10:00 am – corpo decomposto foi achado 4 dias depois. Nunca foi confirmado que esse corpo é de De Guzman. Anos mais tarde um jornal canadense alega ter indícios de que De guzman está vivo e mora em Porto Alegre - Brasil.
• Amostras de Busang enviadas a laboratórios na Austrália, Indonésia e Canadá encontram apenas traços de ouro, sem valor comercial 
• Não há GEOLOGICAMENTE possibilidade de haver uma jazida 
• Strathcona oficialmente recomenda investigações criminais em Busang   

O fim do fim   

• Anúncio público da fraude foi feito no final de Março/97 
• Confirmação oficial pela bolsa de Toronto em Abril/97 
• Abril e Maio/97: “Crash” das ações da Bre-X e negociação suspensa 
• Milhares de investidores individuais perderam todo seu dinheiro com Bre-X 
• Os certificados de ações Bre-X são hoje relíquias para colecionadores

Ufa! Não parece um roteiro de filme? 

Pois foi exatamente o que aconteceu. O filme Ouro e Cobiça (Gold em inglês) é baseado nessa história excitante, porém triste.

Depois de casos como esse, ficou clara a necessidade de se regulamentar melhor esses 'maravilhosos achados' de depósitos minerais que poderiam tornar qualquer um milionário. Mesmo reconhecendo que nenhuma regulamentação pudesse ter impedido o ocorrido com a Bre-X, a ausência de padrões e a falta de procedimentos que assegurassem que esses padrões fossem seguidos, sem dúvida atuaram como fatores que contribuíram para o acontecido. 

Foram então criados códigos para reporte de resultados de exploração, recursos e reservas. Normas para que os investidores tivessem melhor noção do que estavam investindo. Hoje em dia é impossível para uma empresa de mineração que esteja listada na bolsa sobreviver sem estar seguindo um código desses.  

Existem vários códigos hoje em dia e a maioria deles fica embaixo do CRIRSCO. Não vou detalhar esse assunto pois não é o tópico aqui. O que importante para nós nesse post é que todos os códigos trazem a figura do Competent Person ou Qualified Person. Além disso, a maioria deles possui três pilares: competência, materialidade e transparência.  

Antonio Caires