Os impactos da reforma administrativa de Minas Gerais no licenciamento ambiental

por Alexandre Sion em 18/Jan/2024
Os impactos da reforma administrativa de Minas Gerais no licenciamento ambiental

No final do mês de março, o Estado de Minas Gerais publicou a Lei Estadual nº 24.313/2023, reorganizando seu aparato administrativo e trazendo mudanças significativas no sistema de competências e atribuições das Secretarias e dos entes da administração pública indireta. Como toda mudança estrutural, a reforma trouxe, em um primeiro momento, uma insegurança natural para os administrados, servidores e empreendedores em geral.

Considerando que no final do mês de outubro foram publicados dois Decretos Estaduais definindo o papel da Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (“Semad”) (Decreto Estadual nº 48.706/2023) e da Fundação Estadual do Meio Ambiente (“Feam”) (Decreto Estadual nº 48.707), o objetivo do presente artigo é explicar, de forma simples, as principais mudanças realizadas pela reforma, tendo como foco as alterações no licenciamento ambiental estadual e na fiscalização ambiental.

Algumas alterações gerais da reforma chamam a atenção, como as novas atribuições da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (“Seplag”) (art. 39 da Lei Estadual nº 24.313/2023) e da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (“Seapa”). A Seapa, por exemplo, torna-se responsável, para além de suas atribuições anteriores, pela construção, gestão e recuperação de barramentos públicos de água e pela política estadual de florestas plantadas com finalidade econômica, esta última antes de responsabilidade da Semad (art.14 incisos IX e XV da Lei Estadual nº 24.313/2023).

Para além das referidas mudanças, o ponto mais significativo foi a retomada da competência do licenciamento ambiental para a Feam – o que acontecia até 2006, quando passou a ser de competência da Semad. Para viabilizar essa e outras mudanças, toda a estrutura interna da Semad e da Feam foi modernizada, criando-se pastas, gerencias e diretorias.

O novo desenho organizacional da Semad pode ser conferido no organograma abaixo:

Sobre a reorganização da Semad, cabe destaque às funções da nova Subsecretaria de Fiscalização Ambiental (“Sufis”), que agora conta com uma Superintendência de Inteligência (art. 22 e seguintes do Decreto Estadual nº 48.706/2023) e uma Diretoria de Combate ao Desmatamento (art. 17 do Decreto Estadual nº 48.706/2023), além de ter recebido o Núcleo de Emergência Ambiental (“NEA”), pasta antes vinculada à Feam (art. 15 do Decreto Estadual nº 48.706/2023).

Para facilitar a visualização da sistemática interna é possível destrinchar as divisões da Sufis, conforme a tabela na sequência:

Em relação à Feam, destaca-se a criação da Diretoria de Apoio à Regularização Ambiental (art. 29 do Decreto Estadual nº 48.707) e a Diretoria de Gestão de Barragens e Recuperação de áreas de Mineração e Indústria (art. 33 do Decreto Estadual nº 48.707), além de uma Diretoria de Gestão Regional (art. 16 e seguintes do Decreto Estadual nº 48.707). O novo desenho institucional da Feam pode ser conferido no seguinte organograma:

Essas mudanças estruturais significativas exigiram uma extensa reforma normativa, de forma que, para compreender a nova sistemática de licenciamento do estado de Minas Gerais, torna-se necessária a leitura integrada das Leis Estaduais nº 21.972/2016 e 24.313/2023 e dos Decretos Estaduais nº 48.706/2023 e 48.707/2023:

Outra questão a ser ressaltada é que, apesar das significativas alterações na estrutura administrativa do Estado, a reforma não mudou questões ligadas ao rito, modalidades, fases ou critérios de licenciamento. Também não foram alteradas questões referentes às infrações e procedimentos de fiscalização ambiental, apenas redistribuindo as competências internas da Administração Pública.

Registra-se, por oportuno, que as competências do Conselho Estadual de Política Ambiental (“Copam”) para decidir sobre o processo de licenciamento, previstas no Decreto Estadual nº 46.953/2023, não foram alteradas, sendo mantida a atribuição do Copam em situações específicas envolvendo o porte e potencial poluidor do empreendimento, casos de atuação supletiva ou eventuais recursos (Art. 3º, III e IV).

Competência para Realização do Licenciamento Ambiental

Retomando para as mudanças trazidas pela reforma, a principal pergunta que precisa ser respondida é a seguinte: quem será o responsável pelo processo de licenciamento ambiental?

Anteriormente, o licenciamento ambiental era realizado, em regra, pelas Superintendências Regionais de Meio Ambiente (“Suprams”), ligadas à Semad. As Suprams deixaram de existir com a Lei Estadual nº 24.313/2023 e em seu lugar foram criadas, dentro da estrutura da Semad, as Unidades Regionais de Fiscalização (artigo art. 25 e seguintes do Decreto Estadual nº 48.706/2023), vinculadas à Sufis.

Com a transferência do licenciamento ambiental de responsabilidade da Semad para a Feam, foram criadas 12 (doze) Unidades Regionais de Regularização Ambiental (art. 22 e seguintes do Decreto Estadual nº 48.707/2023), vinculadas à Diretoria de Gestão Regional da Feam. A abrangência territorial de cada uma dessas unidades, por sua vez, foi equiparada à área de atuação das Unidades Regionais de Fiscalização da Semad (art. 6º do Decreto Estadual nº 48.707/2023).

Ou seja, para compreender qual a Unidade Regional de Regularização competente pelo licenciamento é preciso verificar o Anexo do Decreto Estadual nº 48.706/2023 a Unidade Regional de Fiscalização da Semad responsável pelo município no qual está localizada a atividade ou o empreendimento.

Duas situações exigem alerta nesse procedimento:

(i) Antes da reforma existiam 10 (dez) Suprams. Comparativamente, houve um acréscimo em relação ao número de Unidades Regionais de Fiscalização da Semad e de Unidades Regionais de Regularização Ambiental da Feam, sendo criadas as unidades de Caparaó, com sede em Manhuaçu, e do Sudeste, com sede em Passos, acarretando mudanças do desenho de atribuições. Ambas as unidades serão implantadas de maneira gradual, conforme disponibilidade econômica e financeira do Estado (art. 54 do Decreto Estadual nº 48.707/2023).

(ii) A Unidade Regional de Regularização Ambiental Alto Paranaíba será implantada em etapas, conforme ato do Presidente da Feam. Até o fim dessa implantação, a Unidade Regional de Regularização Ambiental Triângulo Mineiro exercerá  as atribuições não abarcadas pelo ato do Presidente da Feam (art. 55 do Decreto Estadual nº 48.707/2023).

A tabela abaixo apresenta um comparativo entre a estrutura anterior e a estrutura atual:

Licenciamento Ambiental de Projeto Prioritários

Outra dúvida que se tornou recorrente desde a edição da Lei Estadual nº 24.313/2023, foi em relação aos projetos de licenciamento ambiental classificados como “prioritários”,então licenciados pela Semad.

De acordo com a redação atual da Lei Estadual nº 21.972/2016, alterada pela Lei Estadual nº 24.313/2023, projetos considerados como relevantes para a proteção e reabilitação ambiental, ou para o desenvolvimento social e econômico do Estado, podem ser considerados como prioritários, sendo analisados por meio de procedimento diferenciado. Cabe à presidência da Feam, ou do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de Minas Gerais (“Cedes”), enquadrar os empreendimentos dentro dessa classificação (art. 24 e 25).

Antes da reforma, existia uma estrutura dentro da Semad para analisar especificamente esses licenciamentos: a Superintendência de Projetos Prioritários (“Suppri”). Com a reforma, deixa de existir uma competência específica para esse tipo de projetos, de forma que os projetos considerados prioritários passam para as Unidades Regionais de Regularização Ambiental da Feam da localidade.

Por outro lado, como adiantado, dentro da estrutura da Feam foi criada a Diretoria de Gestão Regional, competente por gerir a execução dos licenciamentos de responsabilidade das Unidades Regionais de Regularização Ambiental. Por meio de decisão motivada, o Diretor da Diretoria de Gestão Regional competente pode avocar a análise e decisão dos projetos prioritários de competência da Feam (art. 17 Decreto Estadual nº 48.707).

Nos casos dos projetos que já tinham a sua análise iniciada na Suppri, caberá à Diretoria de Gestão Regional analisar os documentos e decidir sobre complementações, indeferimentos ou emissão das licenças ambientais (art. 51 Decreto Estadual nº 48.707).

A tabela abaixo resume as atribuições para o licenciamento ambiental de projetos prioritários de competência da Feam:

Novas Competências para a Fiscalização Ambiental

Com a mudança no sistema de licenciamento, a fiscalização ambiental também sofreu uma reestruturação de atribuições significativa, ficando a cargo das Unidades Regionais de Fiscalização da Semad, mas sem retirar o poder de fiscalização da Feam.

Nesse sentido, embora as atribuições de fiscalização tenham se concentrado na Semad, também foi atribuída à Feam a competência para fiscalizar e aplicar sanções administrativas (art. 3º, inciso IV do Decreto Estadual nº 48.707) – o que, na prática, deve ser restrito aos casos ligados às atividades licenciadas pela Feam, ou que, de alguma forma, possuam uma natureza emergencial, r exigindo a aplicação de medidas cautelares . Dentro da Feam, a instrução e análise dos processos administrativos de autos de infração ambiental ficou a cargo do Núcleo de Autos de Infração (art. 12 do Decreto Estadual nº 48.707).

No âmbito da Semad, a Superintendência de Controle Processual, vinculada à Sufis, passa a realizar a gerência dos processos administrativos de autos de infração, devendo, inclusive, elaborar diretrizes técnico-normativas que serão seguidas pelas Unidades Regionais de Fiscalização (art. 18, inciso II).

Um ponto de destaque é em relação aos autos de infração lavrados pela Polícia Militar. Ao contrário de outros estados, Minas Gerais regulamentou a atuação da sua Polícia Militar, incluindo dentro do Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (“Sisema”) e possibilitando que os policiais lavrem autos de infração ambiental (art. 3º, VII da Lei Estadual nº 21.972/2016).

Os autos lavrados por policiais militares antes de 21 de janeiro de 2011 devem tramitar na Feam, junto ao Núcleo de Autos de Infração (art. 53). Já os lavrados posteriormente, serão de responsabilidade das Unidades Regionais de Fiscalização (art. 26 do Decreto Estadual nº 48.706/2023). A tabela abaixo sistematiza essas atribuições:

Instrução e Tomada de Decisão dos Autos de Infração Ambiental

Por fim, ainda em relação à tramitação dos autos de infração ambiental, a reforma também trouxe um complexo sistema de competências para determinar o responsável pela decisão dos processos.

Na Feam, a competência para a condução e decisão da aplicação da sanção administrativa fica concentrada no Núcleo de Autos de Infração (art. 52 e 53 do Decreto Estadual nº 48.706/2023).

Por fim, na Semad, em que devem se concentrar a maioria dos processos de autos de infração do Estado, essa competência é compartilhada de acordo com três critérios: o valor da multa, a natureza do impacto e o agente autuante. Desconsiderando questões ligadas à transição administrativa ou avocação de processos, as atribuições no tocante à decisão dos autos de infração que tramitam na Semad podem ser resumidas da seguinte forma:


Considerações Finais

A tarefa de organizar administrativamente um estado como Minas Gerais, com quase 600 mil km, população de 20 milhões de habitantes e mais de 850 municípios, não é simples. A extensa rede de relações necessária para fazer fluir o papel do licenciamento ambiental e da fiscalização ambiental exige a adoção de modelos complexos, que não podem ser simplesmente retirados de livros ou teorias sem a devida adaptação.

As alterações realizadas em 2023 somam-se a uma série de outras reformas que vêm ocorrendo ao longo dos últimos anos, de menor e maior escalas. Em linhas gerais, as novas mudanças são concentradas em dois pontos principais, a transferência do licenciamento ambiental para a administração indireta, que volta a ser realizada pela Feam, e a concentração da fiscalização ambiental na administração direta, por meio da Semad. Para viabilizar o novo sistema de competências houve uma reorganização interna, podendo ser destacada a criação das Unidades Regionais de Fiscalização e das Unidades Regionais de Regularização Ambiental. Por fim, cabe o alerta que com a reorganização também se alteraram algumas questões ligadas à competência para decidir sobre as sanções administrativas ambientais e eventuais recursos administrativos, o que deve ser um ponto de atenção para advogados e empreendedores.

Autores:

Alexandre Oheb Sion: Sócio-Fundador da Sion Advogados. Presidente da ABDEM – Associação Brasileira de Direito de Energia e Meio Ambiente. Presidente da ADIMIN – Associação para o Desenvolvimento do Direito da Mineração. Presidente da ABDINFRA- Associação Brasileira de Direito da Infraestrutura. Diretor Jurídico do ICLEI América do Sul – Governos Locais pela Sustentabilidade. Mestre em Direito pela Universidade da Califórnia, EUA e Doutorando em Direito (Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal). Coordenador do MBA em Direito da Mineração, Ambiental e ESG da Faculdade Arnaldo | Instituto Minere e Coordenador da Pós-graduação em Direito de Energia da PUC-MINAS.

Mateus Stallivieri da Costa: Advogado. Doutorando em Direito e Desenvolvimento pelo PPGD da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Mestre em Direito Internacional e Sustentabilidade pelo PPGD da Universidade Federal de Santa Catarina. Pós graduado em Direito Ambiental e Urbanístico pelo IBMEC de São Paulo. Pós Graduado em Direito e Negócios Imobiliários pelo IBMEC de São Paulo.

 

Alexandre Sion

Sócio-fundador da Sion Advogados. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca na Espanha. Doutorado em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal (créditos concluídos). Mestre em Direito Internacional Comercial (LL.M) pela Universidade da Califórnia, Estados Unidos. Especialista em Direito Constitucional. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil (FGV). Advogado com formação em Direito e Administração de Empresas. Profissional com sólida experiência no apoio à implantação e operação de grandes empreendimentos de capital intensivo e infraestrutura no Brasil, assessorando empresas nacionais e internacionais em diversas áreas do direito. Alexandre Sion e Sion Advogados figuram entre os escritórios e os advogados mais admirados do Brasil segundo, entre outras, as publicações Chambers Global; Chambers Latin America; Análise Advocacia 500; The Legal 500; Who’s Who Legal; IFLR1000; Leaders League e Best Lawyers. Ambiental (1º lugar Brasil), Construção e Engenharia, Siderurgia e Mineração (1º lugar Brasil), Energia Elétrica (2º lugar Brasil); Contratos Comerciais e no segmento de Transporte e Logística (3º Lugar Brasil). Escritório e Advogado mais Admirados de MG, independentemente da área.

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